A criação da alfândega de Santana do Livramento foi saudada
com fogos de artifício em 10 de outubro de 1900. Menos de quatro meses antes, a
cidade não sabia se o seu comércio sobreviveria mais alguns dias. Foi preciso
uma campanha pública que envolveu os grandes comerciantes e as autoridades do
município para que um ato do governo fosse revisto em favor dos negócios
locais. O recebimento de artigos europeus com preços vantajosos em Livramento
sempre foi garantido pela proximidade do porto de Montevidéu. "As
mercadorias faziam concorrência com as praças comerciais do litoral do Rio
Grande", diz o historiador lvo Caggiani, 64 anos. Mais do que simples
competidores, os empresários da fronteira eram taxados de contrabandistas pelos
varejistas de Porto Alegre, Pelotas e outros centros importantes.
A grita logo chegou aos ouvidos do ministro da Fazenda.
Pressionado, ele resolveu limitar as zonas para a expedição de guias por parte
das estações fiscais de fronteira. O choque paralisou a cidade e ressuscitou o
contrabando de Rivera - a cidade uruguaia da fronteira - que havia sido quase
dizimado desde a fundação da alfândega de Uruguaiana. Num passado não muito
distante, Rivera colocava anualmente na província brasileira 3 mil contos de
réis em mercadorias ilegais (cerca de 30 vezes o valor de uma boa casa).
"Sempre foi fácil importar pelo porto de Montevidéu e
trazer os produtos por trem até Rivera", diz Caggiani.
As denúncias de
contrabando e o fechamento das zonas de expedição das guias fiscais, que já
durava 10 anos, calaram fundo nos brios dos comerciantes fronteiriços. Além de
aumentar em pelo menos 20% o preço final das mercadorias (valor do frete),
onerando empresários e consumidores, o Estado havia recriado com força a figura
do contrabandista.
Para dar um fim às acusações e retomar os negócios, em 1898
o jornalista Albino Costa desencadeou um movimento que exigia do império o
alfandegamento da Mesa de Rendas Federais.
No dia 6 de agosto do ano seguinte, o jornalista radicado no
Rio de Janeiro mandava novidades por telegrama: "AIfandegamento concedido.
Realizamos aspirações comércio. Parabéns. Albino Costa". Recebida com
foguetes e bombas, a boa notícia chegava quase três anos depois de uma outra
que acabou se concretizando apenas em 1900.
No dia 14 de novembro de 1896, através do decreto 417, o
governo havia criado a Alfândega de Livramento. Graças ao lobby de Porto Alegre
e outra praças, o projeto não saiu do papel. Com o alfandegamento, a idéia
voltou à tona. Dois meses mais tarde, os fogos voltaram a estourar na vizinha
brasileira de Rivera.
Portugueses e espanhóis brigam por Sacramento
Assim como muitos municípios da fronteira sul, Santana do
Livramento sofreu a expectativa de estar na mão de portugueses ou espanhóis de
acordo com o soprar do vento. A Colônia do Santíssimo Sacramento, fundada em 22
de janeiro de 1680, foi o primeiro sinal de vida portuguesa no extremo sul do
território em que a Coroa deitou posse. Foi também, durante quase um século,
palco da disputa entre as duas nações européias. Sediada às margens do Rio da
Prata, a povoação abrangia uma área imensa de terras (que atualmente englobaria
o Uruguai e um pedaço do Rio Grande do Sul) incluindo ao norte a região de Livramento.
Com a assinatura do Tratado de Madrid em 1750, a Colônia passou para a mão dos
espanhóis ao ser trocada pelos Sete Povos das Missões.
A resistência dos guaranis fez com que as duas nações
assinassem um novo acordo. O Tratado de El Pardo (l761) anulou o documento de
Madrid e tudo voltou como estava antes de 1750. O vaivém se estendeu até o
início do século 19, quando a distribuição de sesmarias e a passagem do
Exército Pacificador (I 811/12) garantiu a definição da fronteira do Estado. A
cidade de Colônia do Sacramento fica hoje a 177 quilômetros de Montevidéu. A
antiga cidadela dos portugueses ocupava uma península a 48 quilômetros de
Buenos Aires, na margem esquerda do Rio da Prata.
Depois de ser restaurada pelo governo, recuperando o aspecto
que possuía no século 18, no ano passado Colônia do Sacramento foi tombada pela
Unesco como patrimônio histórico da humanidade. O historiador Barbosa
Lessa relembra que, na época da chegada dos português para criar
Sacramento, a região da chamada Banda dos Charruas (hoje República do Uruguai),
era habitada apenas por avestruzes e por nômades índios charruas e minuanos.
Fonte: Material recolhido do fascículo
especial do jornal Zero Hora, do dia 04/12/96, chamado "Origens do Rio
Grande". Editado por Roberto Cohen em 20/11/2003.
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